domingo, 26 de novembro de 2017

Poesia (27.0)

sufocando

saudadezinha infeliz.
roendo as beiradinhas dos pelos do peito,
como tapuru em goiaba,
estragando os pedaços presentes
que vislumbram celebrações em mim.

saudadezinha cruel.
jogando sal nos cortes entre os dedos
com limão e tudo,
fazendo meus dentes rangerem
com o barulho das canções
de mais ninguém;
do ontem.

saudadezinha incabida.
balançando meus cabelos ralos,
querendo despir minhas roupas de baixo
e cobrir-me de lágrimas
ao invés.

saudadezinha mórbida.
prenúncio da perda total,
da ameaça de um outro,
como criança que quer todos os brinquedos
mas não tem como carregá-los.

saudadezinha feia,
transfigurando minhas ideias,
acariciando necessidades
amordaçando as asas da goela.

saudadezinha oca.
transeunte de mim,
completa e largamente
envolta em meu pescoço.
sufocando.

domingo, 12 de novembro de 2017

Texto (0.8)

Relegere

É relendo os poemas antigos que eu paro pra pensar na mutabilidade que vem tomando conta de mim. Também é nessas releituras que encontro conforto no entendimento de algumas bases e raízes mais grosseiras que entrelaçam minhas vivências: sólidos momentos de amor, amizades claras, uma tristezinha inerente ao ser permeia acolá também; palavras ricas que revelam tanto de mim a mim.

Tantas foram usadas para falar de primeiros beijos, ou de eufóricos momentos de carinho, também de hiperbólicas paixões de verão. Faço-me terapêutico nessas leituras. Repenso esses beijos todos, esses tantos que ainda arranham um pouco minha boca, e vejo que certamente eu sou um entusiasta do sentir. Experiências tantas que mesmo saindo no atropelo de sensações tão trêmulas são reveladoras.

Sorrio para partes de versos, repenso se vale a pena ter me desnudado tanto, fomento a necessidade de ser eu mesmo, assim como a de ser água. Alguns versos eu queria rasgar também, mas pensar em extirpar a palavra é pensar em atear fogo a uma fotografia guardada no fundo do meu guarda-roupa, digo-me logo um deixa ali, é parte de mim, aquele momento da foto-palavra foi outrora digno de materialização.

Os poemas que me esclarecem as raízes são de uma importância tremenda: é neles que eu identifico a estrutura óssea do caminho que sigo, ou do que insisto em seguir. E me faço esse bem, me escrevo e me leio, sem a necessidade do olhar do outro por enquanto; levo minha arte como sei que posso: um diário de pessoalidades que compartilho comigo o tempo inteiro, e que quando lido por mim ou por outros, ainda assim é meu, e não sei escrever sobre nada além daquilo que me atravessa.

E nesse caminho me descubro um bocado, dos afetos aos desamores. Das demasiadamente exageradas palavras de amor ou dor ao mais claro desvendar do cotidiano.  E é aí onde me demoro. Onde me encontro. E só sei me demorar em mim. 

Poesia (26.9)

act up

swirling in my head
as the tongues from the deep night
filling me with blurred ideas of
fear
hope
expectation
warmth
kind kindness;
just take my hand.

we are bright
in the complexity of being.

my heart skipped 120 beats.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Poesia (26.8)

pronome dêitico

só é leve quando
eu digo que é.

só balança mesmo,
de tremer o olhar,
se eu deixar balançar.

e me lanço a mim
num voo contínuo
de ida.
há de ser ininterrupto.

ser água no vento
e
deixar-me ir,
apenas.

só é leve quando eu diego.

domingo, 22 de outubro de 2017

Texto (0.7)

Sundays Are Harder

I dreamed of you, you know?

It was just like the old days but I woke up feeling guilty.
Guilty because of how I feel now.

We were at a party, somewhere like what the lesbian bar used to be; loads of drugs, we shared a beer, kisses all over the place. My friends were there too, they were having a nice time. You pull over a bit of weed, make yourself a cigarette, I would look at you with disapproval, I still don't see your smoking with good eyes, it's like I can feel you being lost all over the smoke in each and every cigarette.

We would go to my house after the party. But not to neither of the apartments I had lived in for the past years. It was the house behind Nana's. My old bedroom but with a double bed in it. My mom was in the kitchen, yelling, cooking. You were in my bed, shirtless. Mom would scream in order to talk to me, I'd go there and have an argument with her, we'd cook something, and I'd go back to the bedroom.

You're eating Chinese food there. I start kissing your bellybutton, weirdly shaped, but beautiful to me, and wake up.

And I feel guilty, because I want you, you know? 

I feel bad because I think I want this past. I feel bad because it seems like I don't want myself. And there’s no art over here, just pain.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Poesia (26.7)

entardeço

apressados
apressados
os passos se curvam
diante da rotina.

monto esquemas,
desconto horas,
preparo estruturas
(tanto físicas
quanto intelectuais).

convivo com os fantasmas todos,
bebo água,
faço rir,
faço rir.

como o que trouxe comigo,
reduzo problemas,
na mochila estão;
escuto canções,
viabilizo respirações profundas.
e choro baixinho pra dentro,
baixinho,
baixinho
só eu escuto;
deixo cair aquelas lágrimas.
entardecidas se perdem,
nem tão salgadas mais, eu acho.
têm o gosto da tarde.

entardeço seguindo o barulho
das obras,
caçando a lua,
tropeço olhando pro céu,
mas não caio com frequência.
sigo com fones atarraxados
que inundam meus pensamentos,
já entardecidos,
de qualquer coisa
que distraia;
e o sol se finda acolá.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Poesia (26.6)

Burning Before Building

The bridges are aborted
While kissing.

I disappoint myself constantly.

My shields have been risen
So high
That not even my giant heart
Is able to go over them.

I'm covered in missingness.

I have aborted possibilities
Before even giving them a try.

We must have been great lovers
In past lives.
I have been defying stars for too long now.

It's time to defy myself to be happy.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Poesia (26.5)

amanheço

vagarosos
vagarosos
os sons do sol
invadem.

levam o entorpecer
dos sonhos esquecíveis,
deixam as cicatrizes
das melodias do sono.

desvendo as cortinas.
sou rasgado em partículas.

o miado de longe é ouvido.
Nina se revela ao abrir da porta.
minhas pernas se tornam labirinto felino.

desjejum pragmático:
café,
cigarro,
iorgute grego.

a maresia das obrigações
puxa pra fora de casa
meus pés.

o dia claro ou escuro
pouco importa
se meu coração canta comigo.

domingo, 27 de agosto de 2017

Poesia (26.4)

Peace Within 

The sun had rushed into rising.

My fleeting heart
Once again
Was full.
Gathering all the possible
Myselfnesses
It could grab
From the dusty shelves.

And I felt whole again.
Whole in my complete
Nothingness
Where the state of mind
I've been looking for
For so long had been hidden
From by my tricky mind

Thus
I'm grateful
For the being what
I've become
And all the ones
I've grown up with

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Poesia (26.3)


I was not born for happiness

This time
I'm gonna keep me all to myself
And he makes me want to hurt myself again

Pagan Poetry - Björk

Torn upon myself
I catch hearts half way;
They are to meet
Minds.

Reason dizzies me away 
From what I should feel.
Emotion drives me mad
Away from my senses.

And I fall over again.

Kiss.
Touch.
Fuck.
Sleep.
Drink.

And I fall to my forbiddance
Of love,
Of joy. 
And I thrive.

Once more
the expectation.

The line of thinking
Drags me
Into the upcoming
Trembling of hands,
Of a bearded scratch
On my neck,
Of someone to desensitize
The pain
I believe to feel.

I have felt the ashes
Bursting into the wind.

I will play my pretended piano
On my skin.

Poesia (26.2)

Geoponia

Escrevendo exponho os desdesejos;
Transmuto algumas indigestões,
Esboço sorrisos menos amarelos
Mesmo com os dentes mexidos de café.

Escrevendo consigo me ler;
Protejo dedos de cócegas em corpos vãos,
Vou-me embrulhado em mim, 
Cascudo todo,
Pragmático até.

Escrevendo suponho ideias,
Converto verdades em sólidos,
Manejo incontáveis sonhos,
E amo,
Amo demasiado.

Escrevendo tento um bocado,
Chacoalho minhas memórias todas,
Calo diversas vozes
Que insistem em me contar
Piadas de mal gosto.

Escrevendo eu vou seguindo;
Escapole um erro aqui e ali,
Mas vou seguindo.
Falando sozinho
Mais alto que antes,
Falando comigo
Pra ver se me escuto.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Poesia (26.1)

Unfolded

I have had my share
Of broken hearts,
I have had my share
Of breaking hearts;
It does not mean
I am broken.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Poesia (26.0)

Marks
1*question
a matter of some uncertainty or difficulty; problem

2*fright
a sudden intense feeling of fear.

The matter has been
Asking questions.
Questioning my furry chest
That insists to sleeping under
Unknown ceilings.

Why have such actions led me
Into the dark side of my eyes?
Leaving,
As immensely freeing as it may be,
Has never meant the same to me
As I know it has to others.

The hypocrisy in affirming such nonsense
Hides from myself
The guilt in hurting the hearts
I had left by the roads.

I meant no harm;
Did I?

Asking questions is dangerous.

Are you where you
Have felt you’d like to be?
Can you see,
Can you really see,
Yourself in the mirror?
Does it crack during the day?

Are you able to explain
Your fright of happiness?

What have you been hiding
From the ones who meant to care about you?
What have you been suggesting to yourself
As you go over the radio looking for
Missing pieces of your past?

Is it a choice to be happy?
Why have you been choosing otherwise?

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Poesia (25.9)

Neon Lights

un·eas·i·ness
noun
a feeling of anxiety or discomfort.
"I sensed the uneasiness of people around me"


To find myself by myself
In order to bark over new trees.

Few moments ago:
Was I really here?
Had I left my heart?
How could I do such thing?

Impossibilities came to my fingertips
So that I would move on
Towards me.

To misunderstand my heartbeat
Has been my biggest crime;
Not listening to my voice
Has made me repeat patterns;
Uneasiness has taken my eyebrows
But no longer I shall let
Such fierce fear
Overshadow
My neon lights.

Poesia (25.8)

Into My Eyes

Tenderness frowned upon
My chest
While in bed;
When you glazed at me
With your soul
Looking.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Poesia (25.7)

Respiro

Sempre fui de chamego,
Carinho,
Cafuné,
Coração.
Nada de novo sobre mim.

Apaixonado,
Ia-me embora
Seguindo o circo,
Levantando fogueira
Por onde passasse,
Um pedaço do amor se virava em três tempos
E pipocava como susto atrás de porta
Revelando de mim ao espelho,
Caminhava firme e vendado
Atrás das trocinhas.

Sobre mim não há novidade.

Até tu.
Até tu chegares.
Até tu chegares em mim.
Até tu chegares em minha cama.
Até tu chegares em minha cama e deitar.
Até tu chegares em minha cama e deitar em meu peito.
Até tu.

Não há novidades sobre os fogos
Que eu viria a soltar.
Nem nada inesperado
A não ser meu desespero assustado
Que tenta olhar o mar dos teus cabelos
Pela fechadura dos teus olhos.

É tudo novo na escapada com o circo
Até que finalmente
Desvenda-se a lona.

É tua respiração
Ressoando com minha
Enquanto eu tenho a experiência
Extracorpórea
De nos ver de cima.

Nariz com nariz.

Vejo dois corpos altos,
Narizes que se encostam,
Pernas dobradas que se atravessam,
Braços que se abraçam.
Sinto calor e vontade de tirar fotos
Lá de cima
Para tornar eterno na materialidade
O que não se faz possível ser
No mundo do real.
Imagino futuros envolvidos em paz
E a certeza de que respirar contigo
É sempre mais ar.

Respiro aliviado
Sentindo o meu e o teu ar
Num só.
Respiro.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Poesia (25.6)

Intransponível

Que me atravessa
As pernas
Nos filmes.
Os ouvidos
Na noite
No papo cansado
Do dia de trabalho.
O telefone esquenta
O papo que não esfria.


Quero saber do teu dia
Pra me imaginar ali contigo
Tentando deixar a saudade
Em banho-maria, João.

É simples.
É você, eu, minha cama,
Água, ar, frio ali, calor aqui,
Meus pés, teu cabelo;
Travesseiros escritos na noite.
É simples.
É teu nome.

É simples.

Você me atravessa.

Espirra na noite, tosse,
Remexe na cama,
Encontra carinho nos meus braços
Que te cobrem e te sacodem por dentro.

É simples.
É teu carinho no meu peito,
É o encaixe das mãos,
Dos beijos,
Daquele primeiro beijo
Que durou aquela sinfonia inteira
Por não querer desgrudar.
É simples demais
O meu não querer desgrudar.

Se me dizem ao longe que sou barreira
Logo balbucio que não
Que é bobagem
E escrevo na noite o ocorrido contigo:
Cê me saltou pelo meio,
Passou como água que cede pela fluidez
Não pela força,
Amolece os tijolos de mim
Sem contar com o sal das lágrimas.
Pediu licença aos meus orgãos vitais
E atravessou meu peito
Tal qual flecha de cupido errôneo
Que traça linhas Afrodites
De uma beleza selvagem como teus cabelos.

É simples;
Fui atravessado.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Poesia (25.5)

Centelha

São imagens de um fim de semana
Que querem se expor
Por não caberem nos olhos.

As pernas que insistem em se emaranhar.

Os pedaços do corpo novo
Que vão ser adjetivados ao desnecessário aqui
Por não se conter na empolgação.

Poesia pobre e honesta
Tenta-se fazer sem limar o acontecido.

Perdoáveis exageros sinceros.

As mãos de dedos longos e finos,
Delicados com contrastantes pêlos escuros.

Os olhos marrons e vivos,
Doces até quando adormecidos,
Que vibram e comunicam nos breves silêncios.

A boca, ah, a boca...
Dum sorriso contagiante,
Suaves lábios que encaixam os meus
Sem pensar no mundo que gira
Maluco
Quando quem gira
Maluco
Talvez seja eu.

O peito desnudo e liso,
Macio que se opõe ao meu,
Belo pela harmonia,
Mais ainda pelo conteúdo que comprime.
O coração que bate tão rápido
Mesmo dormindo.

O cabelo de leão
Emoldura o rosto de beleza inquestionável;
Nas ondas dos cachos me perco,
No volume dos fios me dobro,
No perfume da nuca me sinto.

As noites que foram tão raras
Quanto breves.
Os encaixes naturalmente aconchegantes
Davam-se ao som de tosses.
A banalidade recontada
Nas músicas compartilhadas.
A bobagem necessária e não inovadora.

Não falo do inédito aqui,
Falo do novo.

Lugares nunca dantes visitados.
Viajante que me tornei
Dessas tuas costas que abraçam meu nariz na madrugada.
As conchas parecem certas;
E há pérolas erradas no mar?

Faço minha poesia barata
Tão cara ao meu punho
Na tentativa de dizer o que não consigo.

Falo sobre o que não sei falar.
Minha língua não é suficiente.

É no espaço entre os beijos,
É no silêncio rido que se dá
O que eu tento explicar aqui.
É na suspensão dessa realidade
Onde trocamos olhares sorridentes
Que significava toda essa poesia gasta.
É a tentativa de presentificar
O momento que me faz escrever,
É no sacrifício das horas de sono
Que se faz o combustível dessa captura;
De tal efemeridade nebulosa
Na qual se deram as noites.

E a imagem que tenho por fim é a do Ratatouille.
Do teu corpo deitado sobre meu
Que adormeceu com o balanço do som
E que se fez especial e pleno
Na sua simplicidade.

terça-feira, 21 de março de 2017

Poesia (25.4)

Limítrofe

Eu sou sempre
Aquele que fica,
Aquele que teme o novo
Enquanto salta desgovernado.
Encontro-me enquanto corro.
Fico por querer viver;
Por ter me tornado rio de mim mesmo.

Vão-se os rapazes no vento,
Ficam as poesias na nuvem,
Vão-se os amores de verão,
Ficam os beijos no pescoço,
Vão-se os rapazes no vento,
Fica meu amor por mim;
E esse não é daqueles
Que há de se ir.

segunda-feira, 20 de março de 2017

Poesia (25.3)

Sentindo frio em minha alma
Te convidei pra dançar
A tua voz me acalmava
São dois pra lá, dois pra cá
 João Bosco

Invertido

Os beijos aos nervos,
As pontas dos dedos.
O gelo do medo
Escorrendo pelas costas
E evaporando no chão.
A tempestade castanha
Dos teus olhos.
A vivacidade do teu sorriso.
Minhas mãos no teu rosto.

Os beijos aos nervos,
A ponta dos dedos.
Teu rosto invertido
Submerso em meus travesseiros.
Teu sorriso move o meu.

Dançava-se noutra noite.
Ria-se.
Bebia-se.
Bebia-se muito.
Os sorrisos traziam sorrisos.
Euforia musicada
Embaladas nos ritmos do corpo.
Gargalhadas nos trouxeram
Até à porta de casa
Veloz e abruptamente.

A luz salgada do amarelo do abajur
Tornara mar tudo que antes era areia.
Teu sorriso desaguava no meu.
E na maré movida pelas nossas luas
Os entrelaços desafiavam minha memória.

Noite e dia
Rodopiavam ao som
Dos abraços dos que queriam abraçar.
São dois pra lá, dois pra cá.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Poesia (25.2)

Quase Sempre Amor

Às vezes o amor não sai.
Se remexe por dentro,
Mordisca seu pé na madrugada
E deita no travesseiro que sobra.

Às vezes o amor não vai.
Se enfia pelas gavetas,
Dorme no meio dos panos,
E belisca as sobras do almoço na geladeira.

Às vezes o amor não sabe.
As formas ficam sem fôrma,
As palavras se limitam na sacada,
E o bolo de maçã é o que estava lá pra dizer que era amor mesmo,
Fazendo do esforço seu presente,
Mesmo sem durar na estante.

Às vezes o amor não dura.
Se esparrama pelo chão como cerveja quente,
Treme no rosto os abusos diários,
E míngua pelo ralo junto com a água gasta.

Às vezes o amor não quis.
Comeu o café na cama,
Brincou com os pelos no peito
E saiu sem baixar a cabeça.

Às vezes o amor não vê.
Como quem guarda o meio do sanduíche pra comer por último
E ficou cheio antes do final,
Só percebe a besteira que fez quando o domingo chega,
Ou quando o calor aperta;
E resmunga saudades.

Às vezes o amor não fica.
Deixou esfriar o café
E as rabanadas já não agradam,
O carnaval sussurra baixinho
E o amor não é mais o carinho na orelha.

Mas quase sempre o amor carrega a gente
E às vezes o amor deixa levar também.

É só ir.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Poesia (25.1)

O Ombro

A melhor parte de mim
Sou eu.
A única talvez.

Conto-me histórias,
Nino meus sonos,
Hidratos meus sonhos.

A única parte de mim
Sou eu.
Do óbvio ao pitoresco.
Do que calo aos berros animalescos.

A pior parte de mim
Está aqui comigo.
Por dentro das gavetas,
Ao longo do corredor,
Na pontinha da minha língua como a tabuada de dois.
A pior parte de mim escapa dos dentes
E jorra regozijando culpa.

A melhor parte do meu eu
Está por aqui também.

Temo que não saiba onde.

E há de estar no presente
Já que não se fará necessária
No futuro;
Eu agora careço
De mim mesmo,
Mas não por muito.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Texto (0.7)

Retrofilias Por Vir

Papai detestava a possibilidade sobre eventos ocorridos. Por isso sempre que eu usava um “se” para exprimir esse tipo de sentimento, papai me tascava uma frase feita que logo caía sobre a minha tentativa de supor alguma realidade paralela a partir do passado referido.

“Se minha mãe tivesse uma carreira de peito, seria uma porca!” Dizia papai nesses momentos.

Logo, trabalhar ou pensar essa possibilidade sobre um passado diferente baseado num “se” seria uma perda de tempo. Tanto para mim quanto para papai. Mas principalmente para papai; cortando logo o papo fazendo-me imaginar vovó com vários mamilos num corpo de uma porca.

A possibilidade sobre o evento já acontecido é um terreno perigoso. 

Com isso cresci evitando arrependimentos e sentimentos de arroubo nostálgico sobre o que eu faria caso coisas fossem diferentes; desde o simples lembrar do gosto da lasanha quentinha que titia e vovó preparavam, até mesmo as conversas de bar que seguem hoje sobre desenhos animados que víamos quando pequenos. Não me lembro do gosto do feijão preto que comia com arroz e farinha e limão enquanto assistia Digimon nos dias de semana que não tinha aula; nem mesmo da edição especial sabor uva do Frutilly que um menino que morava na minha rua derrubou com uma bolada enquanto jogavam o detestável futebol; também escolhi não lembrar das idas ao Horto de Dois Irmãos ver o leão chamado Simba com papai numa época em que tudo era mais simples; muito menos me lembro do cheiro do livro de Harry Potter e o Cálice de Fogo que eu tinha que esperar um evento grande como um aniversário ou natal para pedir de presente, então lia vorazmente num banco do Carrefour que estava montado pra receber as fitas de Monstros SA em seu lançamento, tudo isso enquanto titia fazia as compras da semana; e se não lembro de nada disso, não tenho como alterar essas rotas já traçadas e imemoráveis. Daí sigo cantarolando o que se resolve no presente, e planejando o ocaso da vida ao longo do caminhar.

Já a possibilidade sobre o evento que ainda não aconteceu é um terreno mais perigoso ainda.

Uma atriz e professora que tive o prazer de encontrar, comentou um erro nosso numa apresentação certo dia. O ocorrido se deu durante uma apresentação de um exercício cênico da nossa turma naquele semestre. A porta de um dos camarins tinha ficado aberta, e uma aluna-atriz, percebendo tal deslize, manteve-se serena (apesar dos tremores e fibrilações alvoroçados de seu interior) para a plateia que a via parcialmente.

A professora disse então uma pérola que resumia bem também o sentimento de papai; e o sentimento que acabei adquirindo ao longo do tempo.

“A cena se resolve na cena. Não tem outro momento.” Veemente.

Tomando como ponto de partida tais palavras fui buscar o entendimento dos “ses”. Compreender as ramificações do presente sem precisar de tal mira distante a ponto de perder de vista meus pés 44. Como num jogo de dardos esfreguei as mãos nas setas das possibilidades do que já foi, do que poderia ter sido, do que é, e do que pode ser. E botei todas essas cenas e vislumbres no bolso, afinal. Não lancei os “ses” para quaisquer direções. São danosos, sim? Já me foi revelado.

Ao futuro e passado dou-lhes presente. E não me interessam mais as reviravoltas do que foi, nem o esperar infinito pelo que está por vir. 

Basta-me o que é.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Poesia (25.0)

At The End of Statements

It is over,
Is it not?

The dreams we have dreamed together
Are no longer on our shelves,
Are they?

The lips we have been enchanted by
Have not been so charming recently,
Have they?

The love we wondered share
Has no longer run through our veins,
Has it?

A box of intentions and tears
Is the only living object
In this room,
Is it not?

It has been over
For a quite a while now,
Has it not?

Cheers
To new beginnings
Or fresh pauses
Or even to silent ends.

Poesia (24.9)


É sonho alto o que sonho.

De morder e escapar pelos dedos
E melecar a camisa
E pingar no sapato fazendo barulho.

É sonho meu o que sonho.

Que cabe no bolso junto aos dedos e chaveiros e chaves
Apertado entre cigarros e moedas,
Que eu carrego pra todo lado,
Que me leva ao trabalho nos ouvidos
E me faz chegar cantando
Em todo canto.

É sonho amoroso o que sonho.

De fazer zoada aos vizinhos,
De dançar sozinho na cozinha,
Que me faz lavar prato sorrindo,
E me deixa balançar com a gata na varanda
Madrugada à dentro.

É sonho sonhado há tanto.

Que não quero que se vá em prantos,
Que não vou deixar secar por encantos,
Que há de me fazer tripudiar pelos cantos.

É alto o meu amoroso sonhado sonho,
E há de ser suficiente sonhar por enquanto.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Poesia (24.8)

Soluços

A solidão soluça mais à noite.

De dia fica quietinha,
Banhada pela luz do sol
Que entra tímida
Pelas janelas do apartamento
Que aos poucos vai chamando de casa.

Sorridente
A solidão vai à cozinha,
Prepara um café extraforte,
Ajeita um prato molhado,
Rega as plantas do amigo,
Troca a areia da gata,
E volta pro quarto.

A solidão cozinha direitinho.
Gosta de descobrir receitas
Em rápidos vídeos,
Tenta ser o mais saudável que pode,
Compra queijos,
Perfuma uns filezinhos com páprica doce.
O almoço é gostoso.
É na hora do jantar que ela fica frenética.

A solidão caminha até a janela da sala,
Fuma um cigarro desatenta,
Acende um incenso,
Liga o som colorido,
E chora.
Ah, mas como a solidão chora!
Ela se abraça em soluços altos.
A solidão enxuga suas lágrimas
Nas almofadas;
Molha a noite com seus soluços.

Os vizinhos não estão em casa,
Estamparam as noites confortavelmente sozinhas
Para que a solidão pudesse ser livre.

Ainda bem!

Imagina só
Se a solidão se vê
Acompanhada.

domingo, 1 de janeiro de 2017

Poesia (24.7)

Meridianos

Temo o arremate
Que sugue e arda.
Temo o novo,
Mas espero por ele.

Calculo mal meus saltos
E anseio por quedas livres.
Temo o quente
Não desejando o morno.