quinta-feira, 26 de maio de 2022

Poesia (31.0)

colchão fortuito 

como posso
sentir saudades
da breve combustão que é
tocar
tão simples
e completamente
a tua pele?

olhar você
e ver teus olhos
marejando cores achocolatadas
doces-doces,
cheias de um carinho ainda
pouco conhecido,
mas intenso na sua complexidade
efêmera.

como posso
sentir vontade
de estar ao teu lado
tão pouco perto e tão tanto longe
que penso em correr até você?

três horas daqui até aí,
três grandes horas daqui até aí,
três agigantadas horas daqui até aí.

olhando pra mim, 
aqui,
você,
seus olhos olhando os meus,
meus olhos olhando os seus olhando me olhando.

“se todo abismo é infinito,
será que a gente vive pra sempre
quando cai?”

como posso eu
tão
tão
tão
logo
amar o fulgás,
incompleto,
invisível,
amor?

quarta-feira, 25 de maio de 2022

Poesia (30.9)

diário de bordo posterior – 20/05/2022

eu gosto de sextas-feiras.
dia em que trabalho menos,
dia de terapia,
de olhar pra cara de Jonas
e de saber que eu vou mudar
alguma coisa
em pouco tempo.
eu sempre mudo às sextas.
eu me transformo um pouco
às sextas.

mudei meu pouco às 13h com Jonas.
desmarcações de aula,
queria estar só,
tomei um sorvete de flores e chocolate branco;
voltei pra casa.

a vizinha de cima pediu um colchão emprestado.
chegando lá
meu coração tripudiou.
dançou um pouquinho.
olhou o sorriso bonito
de um desconhecido – até então – 
bonito,
deixei o colchão,
– que bonito –
e voltei pra casa.
uau.

lavo os pratos pensando
– bonito –
tomo banho pensando
– que bonito –
castelo como voltar lá.
umas cervejas, celebração breve.
retorno.
uau.
– que lindo –.

converso um pouco,
tomo cerveja,
sinto vontades.
estreito vínculos,
morar só é um desafio,
ter pontes na vizinhança acalanta bem
o coração chuvoso.

sigo pra casa,
reencontro afetos amigos.
lembro do sorriso.
danço.
relembro do sorriso.
bebo.
não pensou noutra coisa.
que sorriso.

chego em casa
querendo subir um lance de escadas mais.
deito.
durmo rápido, nem cinco horas.
acordo.
o sorriso bonito
aparece no meu telefone.

o mundo encaixou colchões,
escadas e vontades.

quem sorri agora sou eu.

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Poesia (30.8)

os gatos sentem a sua falta

eles me dizem.

sussurram de dia.
murmuram de noite.

eles sentem falta do seu carinho,
de fazer massagem na sua barriga quando ela tava dodói.
de lamber seu braço demonstrando cuidado.

eles sentem falta do seu cheiro.

eles me disseram.

de ver você dormindo de boca aberta,
até do seu ronco eles sentem falta.
saudades de brincar com você.
de te contar do dia,
de conversar de noite.

sentem muita falta, os gatos,
de você aqui.
por aqui.
dentro de casa.
da companhia durante o dia todo.
do carinho imenso.
do cuidado com a ração e a água.

os gatos sentem falta.
eles queriam você aqui.

Jaime fala de você sempre que eu boto comida.
o Gatinho às vezes mia baixinho meio triste
com saudade do bem que vocês se faziam.
Nina é mais na dela,
mas tarde da noite
ela confessa que sente sua falta,
de ver você jogando madrugada adentro.

eu sua sinto falta às vezes,
mas não como os gatos.


segunda-feira, 11 de abril de 2022

Poesia (30.7)

diário de bordo – oito de março, 2022 – 5:13h da manhã

é cedo da manhã.
acordei depois de dois pesadelos.
estou tenso.
sinto as dobradiças da minha cabeça
tentando como podem
dar conta de tudo
que a represa do meu peito
precisa dar vazão.

sou água demais.
desde muito novo.
água doce e salgada.
água quente e fria.
água gelo e vapor.
água luiz e diego.

o céu está amanhecendo vermelho.
ele está assim ultimamente.
o jornal explicou o nome do fenômeno.
alguma coisa com alguma coisa
com a época do ano
com alguma coisa do capitalismo.
eu só penso no 'senhor dos anéis',
o elfo diz que tal céu vermelho
foi porque sangue fora derramado
naquela noite.
eu dormi, mas também morri.

a revolta que sinto
ao ter pesadelos
com angústias passadas
é a mesma de quando perco um ônibus;
não dependia tanto de mim assim
mas eu podia ter saído de casa mais cedo, não era?

tem um anel no meu dedo agora.
ele é bonito que só.
ele me acalma de mim,
me amansa de mim,
me ama comigo,
e me deita em sua paz.
eu amo o amor.

nina acordou junto com o céu hoje,
já resolvi burocracias de universidade,
sigo pensando sobre mamãe
e sua viagem rumo ao desconhecido.
minha torcida é apreensiva,
sustento a partida na força do saber
que enquanto há vida,
há vida.

amanhã a essa hora estarei em são paulo.
carregando a mala de mão que não me quebra o coração.
a mala azul de helena
com as roupinhas que usei em fortaleza nesse final de semana de amor intenso.
vou passear comigo,
espero gostar da minha companhia.
é tudo que mais tenho,
mesmo tendo tantos outros amores no mundo.

estou apaixonado,
namorando 777km de chão até o ceará,
e um homem de lá;
que já mora aqui, por aqui.
quem diria.

tropeço na manhã vermelha,
estou pensando em ir caminhar.
já há luz suficiente,
melhor botar uma roupinha de academia,
olhar o mundo lá fora.
ou fazer um café, apenas;
e deitar pro outro lado na cama.

quinta-feira, 3 de março de 2022

Poesia (30.5 e 30.6)

O último golpe

Machuca
Claro que machuca.
Era eu ali.
Eu ali.
Dali.
Eu.
Você sabe meu nome completo.
E também ali
Era você.
Mas não era só você.

Machuca demais.
O mundo passa por cima de mim, e eu fico ali.
Não consegui chorar, acredita?
Uma lágrima não desceu.
Logo eu.

Grandioso, íntegro, complexo, amável.
Infantil, besta, birrento, descontrolado.
Mas era eu, e era você.
Mas não era só você.
Enquanto era a gente eu era tudo isso, e tantas outras coisas.
Eu não vou falar, tomar satisfação.
Desorganizar meu tempo, nem o seu.
Eu vou sair de fininho.
Eu vou me abrir aos pouquinhos pro mundo.
Eu vou rever meu carinho comigo.
Mas machuca.
Jorro poesia.
Dormi pouco.
Poucas horas.
Sonhei que falava de você, mas que não estava com você.
O mundo passou por cima de mim.
Sigo de pé, mesmo deitado no chão. 


O terceiro ponto


Aceite uma ajuda do seu futuro amor pro aluguel.
Devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu.
Chico Buarque


Um poema de sentimentos agora.
De raiva e tristeza.
De decepção.
Da minha humanidade fantasmagórica.
Eu não achei que fosse sofrer desse jeito o fim de um casamento que eu pedi.
Não é mais fácil pra mim porque eu acabei.
Dói tanto e tanto e tanto que parece que nunca terminou.

Até ontem. 

As reticências suspensas que sustentavam qualquer coisa até pouco, despencam.
Deslancham.
Desfazem o tecido até outrora bonito, em trapos.
Descozinham os almoços, encruam as carnes.
Desnomeiam meus gatos.
Descombinam acordos.
Desfazem-me.

O tão quisto ponto final posto numa página tão bonita,
Agora suja de sangue dos meus dedos que escrevem calejado de nós.
Sujo de mim, eu mesmo.

Estou com raiva.
Estou triste.
Estou magoado.
Não estou sendo racional aqui com as palavras.
Não preciso.
Não.
Não quero.

Esse vômito que sai é depois de muito enjôo.
Ninguém tem culpa de nada nessa merda.
A palavra não é culpa.
Culpa de nada.
Eu sempre faço minhas escolhas flertando com as minhas renúncias.
Sempre fui assim.
Falei de mim ontem tentando falar dos outros.
Olha que maluquice.
Eu faço minhas escolhas flertando com as minhas renúncias.
Todos talvez façam um pouco,
Mas eu às vezes faço muito.
Que ódio que dá.
Que raiva.
Querer e não querer ao mesmo tempo a mesma coisa.
Dormir e dançar não é possível.
A raiva me toma de um jeito.
Só eu sei onde ela me leva.
Que ódio.

Lembrar e esquecer na mesma medida.
Lembrar e esquecer na minha casa.
Pelas paredes todas.
Você aqui e você já não mais aqui.
Às vezes me toma o irracional querer
De que seria melhor se você nunca tivesse vindo,
Entrado, tomado café da manhã comigo,
E batizado meus gatos.
Escolho não pensar nos 'e se'
Mas esse está aqui deitado comigo agora,
Deitado comigo na minha cama.
Meu peito dói e afunda.
E remonta outras dores.
E eu estou à deriva nessa mar de raiva.
Quanta raiva. 

Eu decreto agora daqui o fim de qualquer menção à nós.
As reticências perderam dois pontos.
Ponto final.

domingo, 20 de fevereiro de 2022

Poesia (30.4)

entre estados

o estado de desejo súbito me toma
num rompante de música
que invade os ouvidos.

canções novas.
queria tá ouvindo esse agora contigo,
aqui na minha cama,
a gente de cueca,
a luz amarela do abajur,
a brisasinha que tá correndo aqui da noite,
um copo de água gelada na mão, suando pelo meu braço;
tua cabeça no meu peito cheiroso,
teu sorriso aqui comigo,
tu me olhando de baixo.

eu sei que você já chega,
eu sei que eu já vou,
a saudade não é menor
porque eu sei que ela vai morrer logo;
o mundo segue grande.

fortaleço em breve, viu?
prepara o cangote pros cheiros todos.
prepara a mão pra levar a minha
pelos cantos.
prepara os braços pros abraços.
prepara o cabelo
que eu vou bagunçar ele bem muito.
e o coração,
esse eu sei que já tá preparado.
fortaleço em breve, viu?

Poesia (30.3)

cuidado, paixão

eu te amo
e não amo mais.

estou aprendendo a não ecoar
tudo que meu coração fala.

carrego umas dores no peito,
carregamos tanto um do outro.

o que fazer quando
a vida atropela a vida?

ficou muito comigo
e restou tão pouco de mim.

a vida atropelou.

cerveja,
chá,
ou café?

bebi beijos.

não escrevo pra você,
escrevo de mim
pra gente.

dançamos na sala,
cuidamos dos nossos pés,
e dos meus joelhos.
brincamos de fazer teatro,
você levava mais jeito que eu.
brindamos pouco, mas bem.
fumei contigo quantos cigarros?
o ventilador espantando
a fumaça.

cuidamos um do outro
quando conseguimos. tanto cuidado.

e a vida atropelou a gente.
sem culpa levantamos.
estamos levantando, eu acho.
e eu ando primaveril por aí,
grato e entregue,
derramado em mim, que sou copo,
mesa e bebida da minha vida.

eu te amo
e esse amor não vai a lugar algum
mas a mim.
espalhado todo
pelo meu corpo tão amado,
minha casinha.

projeto nos meninos
a saudade que eu sinto de você.
acho que eles sentem também.
porque eu sinto.
mas se estar junto
é não estar consigo,
estar junto não faz sentido.

sigo no sentido contrário
olhando por cima do ombro ainda,
mais como quem olha fotos de uma viagem
inesquecível
do que como quem se sente ameaçado
numa rua deserta.

eu não vou cantar nenhum
réquiem;
você ainda vive em mim
enquanto segue vivo consigo.

desejo profundo me invade
desejando seu bem, meu bem.

dance bem muito,
mexa o mundo,
ganhe o mundo,
ame-se e a todo mundo.

eu amo você
enquanto sigo
amando a mim.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Poesia Interlúdio - Recontagem

 o tempo que o tempo passou pra mim

 

tanta poesia passou,

tanto poema ficou,

tanto amor e desamor e malamor e contraamor e bemamor transitou;

nesse interlúdio de vida

mais vida houve.

uma morte aqui, outra acolá.

 

desde então 

um casamento lindo,

um amor-parceiro cruzou meu peito,

fez morada,

morou,

e parti; parti de mim, dele, mas as fotos ficaram.

lembrança de nós, de estarmos nós. 

carinho casado.

 

outros bichos.

gatos e gatinhos. 

uma fuga de mim breve,

para então um retorno glorioso

cheio de vida.

 

a casa é grande.

um apartamento-morada-sobrado

sobro e moro aqui, 

ocupo meu amor por mim.

 

olhei o mundo de longe,

viajei noutros países

conhecendo meu coração

como ninguém.

beijei as terras e os homens daquelas terras.

perdi por lá uns pedaços

da guerra comigo.

mas voltei vencendo,

ao entrar de volta na terra

que é mais água e âncora 

que terra.

 

hiperbólico e alcoólico

prossigo sim,

mais firme que forte.

e sempre com os meus pés.

 

premiado, escritor,

artista da minha arte.

tão minha.

tão eu.

 

na recontagem das minhas poesias

eu aprendo a me ler novamente,

sabendo que nunca escrevi

palavras que não fossem

as que eu aprendi no mundo.

 

reconto a mim meu próprio interlúdio temporal.

querendo sempre estar aqui,

em casa,

ao passo que

viajar o mundo dos outros

nunca pareceu tão ambicioso.