quinta-feira, 3 de março de 2022

Poesia (30.5 e 30.6)

O último golpe

Machuca
Claro que machuca.
Era eu ali.
Eu ali.
Dali.
Eu.
Você sabe meu nome completo.
E também ali
Era você.
Mas não era só você.

Machuca demais.
O mundo passa por cima de mim, e eu fico ali.
Não consegui chorar, acredita?
Uma lágrima não desceu.
Logo eu.

Grandioso, íntegro, complexo, amável.
Infantil, besta, birrento, descontrolado.
Mas era eu, e era você.
Mas não era só você.
Enquanto era a gente eu era tudo isso, e tantas outras coisas.
Eu não vou falar, tomar satisfação.
Desorganizar meu tempo, nem o seu.
Eu vou sair de fininho.
Eu vou me abrir aos pouquinhos pro mundo.
Eu vou rever meu carinho comigo.
Mas machuca.
Jorro poesia.
Dormi pouco.
Poucas horas.
Sonhei que falava de você, mas que não estava com você.
O mundo passou por cima de mim.
Sigo de pé, mesmo deitado no chão. 


O terceiro ponto


Aceite uma ajuda do seu futuro amor pro aluguel.
Devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu.
Chico Buarque


Um poema de sentimentos agora.
De raiva e tristeza.
De decepção.
Da minha humanidade fantasmagórica.
Eu não achei que fosse sofrer desse jeito o fim de um casamento que eu pedi.
Não é mais fácil pra mim porque eu acabei.
Dói tanto e tanto e tanto que parece que nunca terminou.

Até ontem. 

As reticências suspensas que sustentavam qualquer coisa até pouco, despencam.
Deslancham.
Desfazem o tecido até outrora bonito, em trapos.
Descozinham os almoços, encruam as carnes.
Desnomeiam meus gatos.
Descombinam acordos.
Desfazem-me.

O tão quisto ponto final posto numa página tão bonita,
Agora suja de sangue dos meus dedos que escrevem calejado de nós.
Sujo de mim, eu mesmo.

Estou com raiva.
Estou triste.
Estou magoado.
Não estou sendo racional aqui com as palavras.
Não preciso.
Não.
Não quero.

Esse vômito que sai é depois de muito enjôo.
Ninguém tem culpa de nada nessa merda.
A palavra não é culpa.
Culpa de nada.
Eu sempre faço minhas escolhas flertando com as minhas renúncias.
Sempre fui assim.
Falei de mim ontem tentando falar dos outros.
Olha que maluquice.
Eu faço minhas escolhas flertando com as minhas renúncias.
Todos talvez façam um pouco,
Mas eu às vezes faço muito.
Que ódio que dá.
Que raiva.
Querer e não querer ao mesmo tempo a mesma coisa.
Dormir e dançar não é possível.
A raiva me toma de um jeito.
Só eu sei onde ela me leva.
Que ódio.

Lembrar e esquecer na mesma medida.
Lembrar e esquecer na minha casa.
Pelas paredes todas.
Você aqui e você já não mais aqui.
Às vezes me toma o irracional querer
De que seria melhor se você nunca tivesse vindo,
Entrado, tomado café da manhã comigo,
E batizado meus gatos.
Escolho não pensar nos 'e se'
Mas esse está aqui deitado comigo agora,
Deitado comigo na minha cama.
Meu peito dói e afunda.
E remonta outras dores.
E eu estou à deriva nessa mar de raiva.
Quanta raiva. 

Eu decreto agora daqui o fim de qualquer menção à nós.
As reticências perderam dois pontos.
Ponto final.

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