quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Poesia (25.1)

O Ombro

A melhor parte de mim
Sou eu.
A única talvez.

Conto-me histórias,
Nino meus sonos,
Hidratos meus sonhos.

A única parte de mim
Sou eu.
Do óbvio ao pitoresco.
Do que calo aos berros animalescos.

A pior parte de mim
Está aqui comigo.
Por dentro das gavetas,
Ao longo do corredor,
Na pontinha da minha língua como a tabuada de dois.
A pior parte de mim escapa dos dentes
E jorra regozijando culpa.

A melhor parte do meu eu
Está por aqui também.

Temo que não saiba onde.

E há de estar no presente
Já que não se fará necessária
No futuro;
Eu agora careço
De mim mesmo,
Mas não por muito.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Texto (0.7)

Retrofilias Por Vir

Papai detestava a possibilidade sobre eventos ocorridos. Por isso sempre que eu usava um “se” para exprimir esse tipo de sentimento, papai me tascava uma frase feita que logo caía sobre a minha tentativa de supor alguma realidade paralela a partir do passado referido.

“Se minha mãe tivesse uma carreira de peito, seria uma porca!” Dizia papai nesses momentos.

Logo, trabalhar ou pensar essa possibilidade sobre um passado diferente baseado num “se” seria uma perda de tempo. Tanto para mim quanto para papai. Mas principalmente para papai; cortando logo o papo fazendo-me imaginar vovó com vários mamilos num corpo de uma porca.

A possibilidade sobre o evento já acontecido é um terreno perigoso. 

Com isso cresci evitando arrependimentos e sentimentos de arroubo nostálgico sobre o que eu faria caso coisas fossem diferentes; desde o simples lembrar do gosto da lasanha quentinha que titia e vovó preparavam, até mesmo as conversas de bar que seguem hoje sobre desenhos animados que víamos quando pequenos. Não me lembro do gosto do feijão preto que comia com arroz e farinha e limão enquanto assistia Digimon nos dias de semana que não tinha aula; nem mesmo da edição especial sabor uva do Frutilly que um menino que morava na minha rua derrubou com uma bolada enquanto jogavam o detestável futebol; também escolhi não lembrar das idas ao Horto de Dois Irmãos ver o leão chamado Simba com papai numa época em que tudo era mais simples; muito menos me lembro do cheiro do livro de Harry Potter e o Cálice de Fogo que eu tinha que esperar um evento grande como um aniversário ou natal para pedir de presente, então lia vorazmente num banco do Carrefour que estava montado pra receber as fitas de Monstros SA em seu lançamento, tudo isso enquanto titia fazia as compras da semana; e se não lembro de nada disso, não tenho como alterar essas rotas já traçadas e imemoráveis. Daí sigo cantarolando o que se resolve no presente, e planejando o ocaso da vida ao longo do caminhar.

Já a possibilidade sobre o evento que ainda não aconteceu é um terreno mais perigoso ainda.

Uma atriz e professora que tive o prazer de encontrar, comentou um erro nosso numa apresentação certo dia. O ocorrido se deu durante uma apresentação de um exercício cênico da nossa turma naquele semestre. A porta de um dos camarins tinha ficado aberta, e uma aluna-atriz, percebendo tal deslize, manteve-se serena (apesar dos tremores e fibrilações alvoroçados de seu interior) para a plateia que a via parcialmente.

A professora disse então uma pérola que resumia bem também o sentimento de papai; e o sentimento que acabei adquirindo ao longo do tempo.

“A cena se resolve na cena. Não tem outro momento.” Veemente.

Tomando como ponto de partida tais palavras fui buscar o entendimento dos “ses”. Compreender as ramificações do presente sem precisar de tal mira distante a ponto de perder de vista meus pés 44. Como num jogo de dardos esfreguei as mãos nas setas das possibilidades do que já foi, do que poderia ter sido, do que é, e do que pode ser. E botei todas essas cenas e vislumbres no bolso, afinal. Não lancei os “ses” para quaisquer direções. São danosos, sim? Já me foi revelado.

Ao futuro e passado dou-lhes presente. E não me interessam mais as reviravoltas do que foi, nem o esperar infinito pelo que está por vir. 

Basta-me o que é.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Poesia (25.0)

At The End of Statements

It is over,
Is it not?

The dreams we have dreamed together
Are no longer on our shelves,
Are they?

The lips we have been enchanted by
Have not been so charming recently,
Have they?

The love we wondered share
Has no longer run through our veins,
Has it?

A box of intentions and tears
Is the only living object
In this room,
Is it not?

It has been over
For a quite a while now,
Has it not?

Cheers
To new beginnings
Or fresh pauses
Or even to silent ends.

Poesia (24.9)


É sonho alto o que sonho.

De morder e escapar pelos dedos
E melecar a camisa
E pingar no sapato fazendo barulho.

É sonho meu o que sonho.

Que cabe no bolso junto aos dedos e chaveiros e chaves
Apertado entre cigarros e moedas,
Que eu carrego pra todo lado,
Que me leva ao trabalho nos ouvidos
E me faz chegar cantando
Em todo canto.

É sonho amoroso o que sonho.

De fazer zoada aos vizinhos,
De dançar sozinho na cozinha,
Que me faz lavar prato sorrindo,
E me deixa balançar com a gata na varanda
Madrugada à dentro.

É sonho sonhado há tanto.

Que não quero que se vá em prantos,
Que não vou deixar secar por encantos,
Que há de me fazer tripudiar pelos cantos.

É alto o meu amoroso sonhado sonho,
E há de ser suficiente sonhar por enquanto.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Poesia (24.8)

Soluços

A solidão soluça mais à noite.

De dia fica quietinha,
Banhada pela luz do sol
Que entra tímida
Pelas janelas do apartamento
Que aos poucos vai chamando de casa.

Sorridente
A solidão vai à cozinha,
Prepara um café extraforte,
Ajeita um prato molhado,
Rega as plantas do amigo,
Troca a areia da gata,
E volta pro quarto.

A solidão cozinha direitinho.
Gosta de descobrir receitas
Em rápidos vídeos,
Tenta ser o mais saudável que pode,
Compra queijos,
Perfuma uns filezinhos com páprica doce.
O almoço é gostoso.
É na hora do jantar que ela fica frenética.

A solidão caminha até a janela da sala,
Fuma um cigarro desatenta,
Acende um incenso,
Liga o som colorido,
E chora.
Ah, mas como a solidão chora!
Ela se abraça em soluços altos.
A solidão enxuga suas lágrimas
Nas almofadas;
Molha a noite com seus soluços.

Os vizinhos não estão em casa,
Estamparam as noites confortavelmente sozinhas
Para que a solidão pudesse ser livre.

Ainda bem!

Imagina só
Se a solidão se vê
Acompanhada.

domingo, 1 de janeiro de 2017

Poesia (24.7)

Meridianos

Temo o arremate
Que sugue e arda.
Temo o novo,
Mas espero por ele.

Calculo mal meus saltos
E anseio por quedas livres.
Temo o quente
Não desejando o morno.