Fenestra
Passei por vários quartos até chegar a esse. O atual. Minha infância e
parte da minha adolescência foram na casa de vovó. Lá meu quarto era
confortável, sem muita privacidade, mas com força de vontade e muito aperreio,
construí a minha própria. Podia trancar a porta do meu quarto aos doze já: ver
televisão, ler um pouco, ouvir música num volume alto nos meus fones de ouvido
com fio extensor que me permitiam fazer outras coisas enquanto escutava música.
Não tinha muito barulho, mas como casa de vó, sempre tinha gente batendo na
porta para falar comigo.
Já o meu segundo quarto, na casa dos meus pais, não tinha janela. Tinha uma
porta sanfonada que dava na cozinha, e sempre muito barulho vinha da cozinha,
porque era, claro, a cozinha da casa. Fora o cheiro de comida que nem sempre
era agradável. Por não ter janelas, fazia muito calor e o ventilador de teto
não dava conta do recado. Depois de um tempo e de muita birra troquei de quarto
na mesma casa. Fiquei com a suíte. Ainda assim, por mais que tivesse uma janela
grande, seu basculante não dava em lugar nenhum; o quintal não tinha nada a se
ver, nem mesmo me mostrava nada de interessante. Foram mais uns oito anos nesse
quarto com uma janela morta.
Então, ano passado, nos mudamos. Primeiro apartamento. Primeiro andar. E
uma janela verticalizada, não muito larga. Relutei para colocar rede protetora,
mas, como minha irmã ainda é pequena, acabei cedendo às pressões de mamãe.
O que vejo não é muito. Um prédio alto a alguns metros, a rua pouco
movimentada; mas o céu, ah, o céu... Vejo-o se apoderando de tudo daqui da
janela. O sol gritando sobre os meus olhos assim que raia. Escuto pássaros e
insetos brincando na árvore que cobre quase toda minha visão do mundo. Que
janela!
Aprendi a gostar do barulho dos pássaros de manhã cedo, de observar o
ritmo alternante das luzes dos apartamentos que enxergo. Não tenho a vista do
mar, nem muitas vezes da lua; não queria tanto talvez. O que vejo é a vida lá
fora, existindo no seu ritmo. Através da minha janela aprendi a me ver mais, a
deixar meus pensamentos correrem soltos pelas noites onde o canto é o dos
carros que passam ao longe. No meu quarto, a essa hora da noite, escrevo no céu
com meu olhar; e ele escreve de volta em mim em uma língua que agradeço por não
conseguir decifrar.