domingo, 21 de abril de 2019

Poesia (29.8)

antropologia metamorfa

eu sou o vento que,
forte,
anuncia a chuva
e logo em seguida
cessa num sopro de calma.
transito ao longo dos corpos,
alargo as margens dos ouvidos,
cubro os olhos de lupas
e caminho pela nuca massageando as conversas duras.

eu sou o lobo que caça a liberdade
e num piscar de luas
uiva a solitude brilhosa.
pelos ouriçados;
patas firmes que lampejam sobre a floresta, de cima, vasta.

eu sou a safira, o rubi e a esmeralda,
cravejadas na história,
implorando a piedade de permanecer sob a terra.
arremessadas ao limo a duras penas de pele humana
tais pedras que sou
brilham o suor da dor
de ganância esbranquiçada.

eu sou o coelho escondido na cartola,
nunca aquele que a mão buscou,
mas aquele que engaiolado e subserviente
aninhou-se com cenouras nas coxias escuras.

eu sou a vida que é vista num encontro de paredes,
que brota no asfalto,
que toma o café esfriado,
que luta de manhã com olhos semicerrados
mas que, sem dúvida,
escolhe levantar.

domingo, 14 de abril de 2019

Poesia (29.7)

the bravery of the being

how exciting it is
to simply
roughly
have yourself
talking to the mirror.

Poesia (29.6)

as dúvidas que assombram também dão contraste ao caminhar

quantas mais perguntas
atropelam a linha da vida
que não há de ser vivida.

bate artística
moderada
e
inquietantemente
a música.

aprendo a reaprender, então.

os seguimentos dos sentimentos
ainda embaçados
transformam-se na simplicidade
de um sotaque,
de um orvalho,
de um tropeço no acaso;
e em breve
surpreendido há de ser o coração
junto com a completude do ser
(já que não só de coração é feito o poeta que me torno
ao passo que entorno
um copo de mim).

que grandiosa é a tolice
de me questionar
sobre minha honestidade
para com -
ninguém mais
ninguém menos -
que eu mesmo.

há tanto por vir;
há tanto quão tanto
pelas esquinas não viradas ainda,
que imensa é a cidade que construo
ao longo do caminho.
o sentimento de êxtase
pinga pelo meu queixo agora
como quem chupa fruta-suco.
e não há de haver dúvida sobre a fome
da sede
que sinto.

sábado, 13 de abril de 2019

Poesia (29.5)

incoercível

eu bato o portão sem fazer alarde
eu levo a carteira de identidade
uma saideira, muita saudade
e a leve impressão de que já vou tarde
-chico buarque


.escorre pelo meu queixo lambuzando a mesa e encrua debaixo das minhas unhas a dor que mordo e mastigo e cuspo e como do chão é dor e também boca é seiva da minha pele desaguando sem pausa sem ponto nem vírgula que não respira nem respeita meu pranto muito menos meu sono que quando viro a esquina desavisado percebo que volta de metrô bêbada saudosa com cheiro de goiaba e jasmim e vai de novo picotando meus tecidos e me deixando insone adormecer ao som dos riscos nos discos do que um dia ousei dizer amor.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Poesia (29.4)

o intransponível

cascas de mim lambem de sangue
o caminho outrora vermelho-goiaba.

há fim por todo canto.

nenhuma rosa leva nenhum vento
quando não há mais nada a ser semeado.

as direções estão esquizofrênicas;
quase sempre
deságuam na boca do meu estômago.

de vazio em vazio
mastigo dentes
aqui meus,
acolá
desconhecidos.

finda dança
agora
amanheço como quem noita.

surto súbito
finaliza,
conclui,
destrói,
e esfria
todo carinho
agridoce.