A escada
Degraus gélidos
Acariciam minha pele
seca.
Não fazem cócegas
As roupas folgadas.
Meu rosto repousa
No pisar latente
De milhões de vidas
Sugadas por fumaça
E cimento.
A escada que me abraça
É a mesma que outrora
Derrubava meu copo de
leite
Com sua precisão
compassada
De barulho de chuva
No meio do outono
gasto.
Não caem folhas.
Mas acalmaram-se os
carros,
As pessoas,
Os restos de comida;
A vida acalmou-se.
Triste era ver
Pelo canto do olho
O sangue da testa
vazando
Pulsante
Escuro quase preto
Sem luz ou refração
necessária;
Sabia que era sangue
Pelo cheiro viscoso de
vida
Indo em boa hora.
Embora soubesse que a
vida
Era uma carta que se
espera
Ansioso,
Que chega quando é menos
esperada;
Borbulhando,
Derramando o leite
quente no fogão,
Esfriando na calada da
noite os pés pra fora
Do cobertor dantes não
usado.
A vida;
Presente que chega ao
fim do dia
Envolto em papel
bonito
Com cheiro de
papelaria de bairro
E é rasgado ao meio,
Em quartos,
Em pedaços menores que
quartos,
No chão do quarto,
Bagunçando o assoalho,
Deixando o rastro de
felicidade e vida
Na marca latente
Dos pés de homens mal
servidos
De felicidade e vida
Que construíram e
edificaram
As escadas da minha
felicidade e vida.
A vida como a escada
Daqui de casa
É massa dura
Que me abraça na
madrugada
E me derruba o jantar.
Escolha minha subir e
descer
Sem ajuda.
Marcando o passo das
milhões de vidas
Que passaram nesse
chão
Antes da minha;
Marcando o compasso da
música dançada
Nesse chão mole
De mangue vivo
No qual sangraram
Homens vivos
Na terra agora morta
Por cima de homens
mortos
Outrora vivos
Que nunca saberão
O que é
Uma escada.
Que me ocupe agora
Eu
Do balançar desse
subir e descer
Pra saber achar,
Nessa busca incessante
Por claridade,
Abraçar também
O chão,
A vida,
O descer
E a escuridão.
Pois não só de
claridade
Faz-se o dia.
Esqueceram-se de nos
dizer
Que o balanço
Balança
Doze horas na luz que
mata
E doze horas
No breu que descansa.
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