sexta-feira, 27 de março de 2015

Poesia (22.1)

Biológico

As feridas fecham
Em tempo dos curativos irem-se.

Não espere borbulhar a água
Sob o constante atino
Do olho vão.

Há de fechar em seu tempo
A dor de ontem.

Meu bem, escutes:
São ondas que chegam.
Da maresia se fazem conchas novas.
Carregando pérolas,
Endividando senhoras,
Apaixonando moças.

As feridas fecham
Ao tempo que meu coração se lava
Num processo biológico
No qual se espalha
E se recolhe.

Se espalhe
Deixe o mar sangrado levar-te.
Lavar-te.
As feridas fecham.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Poesia (22.0)

A escada

Degraus gélidos
Acariciam minha pele seca.
Não fazem cócegas
As roupas folgadas.
Meu rosto repousa
No pisar latente
De milhões de vidas
Sugadas por fumaça
E cimento.

A escada que me abraça
É a mesma que outrora
Derrubava meu copo de leite
Com sua precisão compassada
De barulho de chuva
No meio do outono gasto.

Não caem folhas.
Mas acalmaram-se os carros,
As pessoas,
Os restos de comida;
A vida acalmou-se.

Triste era ver
Pelo canto do olho
O sangue da testa vazando
Pulsante
Escuro quase preto
Sem luz ou refração necessária;
Sabia que era sangue
Pelo cheiro viscoso de vida
Indo em boa hora.
Embora soubesse que a vida
Era uma carta que se espera
Ansioso,
Que chega quando é menos esperada;
Borbulhando,
Derramando o leite quente no fogão,
Esfriando na calada da noite os pés pra fora
Do cobertor dantes não usado.

A vida;
Presente que chega ao fim do dia
Envolto em papel bonito
Com cheiro de papelaria de bairro
E é rasgado ao meio,
Em quartos,
Em pedaços menores que quartos,
No chão do quarto,
Bagunçando o assoalho,
Deixando o rastro de felicidade e vida
Na marca latente
Dos pés de homens mal servidos
De felicidade e vida
Que construíram e edificaram
As escadas da minha felicidade e vida.

A vida como a escada
Daqui de casa
É massa dura
Que me abraça na madrugada
E me derruba o jantar.

Escolha minha subir e descer
Sem ajuda.
Marcando o passo das milhões de vidas
Que passaram nesse chão
Antes da minha;
Marcando o compasso da música dançada
Nesse chão mole
De mangue vivo
No qual sangraram
Homens vivos
Na terra agora morta
Por cima de homens mortos
Outrora vivos
Que nunca saberão
O que é
Uma escada.

Que me ocupe agora
Eu
Do balançar desse subir e descer
Pra saber achar,
Nessa busca incessante
Por claridade,
Abraçar também
O chão,
A vida,
O descer
E a escuridão.

Pois não só de claridade
Faz-se o dia.

Esqueceram-se de nos dizer
Que o balanço
Balança
Doze horas na luz que mata
E doze horas
No breu que descansa.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Poesia (21.9)

Flying Rivers

Taken care of
I am
By my lonely soul.

History has written itself
With its dirty ink
Throughout my body
And made it rot.

I see my harbor
From a great distance;
In the translucent water
That reflects
My rotten spirit
For not being able to reflect
This dead body of mine
I do not see myself.

Relentless is my struggle.

No one ever asked me
If the sailing amused
My reluctant mind.

It does not.

I am not for the waters.
Waves now make me nauseated.
I beg that you leave me
Cast away
In the dark sand
Of this unknown beach.
Leave my thoughts alone
For myself
Or the devil
To take care of.

Leave my dream of this ancient ocean
Rest mumbling watery words
As lost as the foam
That now I have become.

For foam I am
And no body must I have
Just to lick the unknown sand
Shall I desire.

For foam and ashes
Still to burst out of this shore
As soon as my own skin
Floats to me
My sanity will I recover.

Waiting for you to leave
And hope that I
Alone will crave
To sanity again.
To my own self.

My ocean is waterless,
No international part of me
Shall be conquered,
Because no ship shall sail
In the dark foam
That my body has become.

Thus the wind
May take me,
As the water
I no longer trust.
As long as foam I am
Shifting across the earths is needed
In order to find
The new elements
For this yet to come
Body of mine.

Will I find roots?
Silent was the wind
To my inquiry.


quarta-feira, 11 de março de 2015

Poesia (21.8)

Amontoado

Faltam palavras.
Rumores desconcertados
Lavados com um banho.
A poesia não mais transborda,
Os olhos secos não choram,
A brasa que mata
Enche meu nariz de dor.
A fumaça velha
Enegreceu os olhos
Castanhos agora,
Sem malícia
Cansam-me as palavras.
Insuficientes e fracas
Saem atropeladas
De mim
Mesmo assim.
Não gotejam mais
As veias abertas,
Balançam dormentes
Meus braços estirados
Ao longo da minha existência.

Como quem espera as flores
Num inverno recém chegado
Acalanto minha preocupação
Sem anteceder qualquer dor.
Deixei de sentir as presenças
De sentimentos desse plano.

Material para escrever minha solidão
Ou meus dessabores
Faltam nas prateleira das errantes.

Gritos uivam na noite
Sem vida selvagem para reclamá-los seus.
Um amor cansado
Cheio de preposições e pronomes.

No fim das palavras
Encontro um homem abaixado,
A luz do poste saboreia suas costas,
Agachado no muro
Lamenta baixinho
E grita por mim
Sua tristeza sem fim.

Sons não são palavras.
Movimentos não contém mais sentido.

O homem recolhe as flores murchas,
Tranca uma pequena fechadura em seu peito,
Atira a mim o molho de chaves
Com mais chaveiros que possibilidades,
E se joga aos céus
Torcendo para encontrar palavras de novo,

Vejo tal homem ir embora.
Paro no muro do fim das palavras,
Tenho flores comigo,
O inverno findou,
Agacho no meio fio
E luzes tremem sobre o meu pescoço.
Procuro no molho de chaveiros
A possibilidade de trancar meu peito.

Não encontro palavras.

Sem palavras

Encontro apenas
O fim.

domingo, 1 de março de 2015

Poesia (21.7)

Inerte

Das costas rasgadas
Não saem mais asas.
Não voam mais
Os sonhos de outrora.
Relento é agora
Meu braço doído
Que me é travesseiro
Nas noites claras.

A poesia enfraquecida
Já não expressa mais
Dor alguma.
Perdeu-se no emaranhado de vezes
Que tentou se escrever.
Mas sai inerte de mim
Sem que ao menos considere
As dores que poderia abrigar
Nesse fim.

Não talho
Nem mimo
Nem minhas próprias palavras
Rimo.
Ou rimo.
Sem destino.
Escrevendo por horas,
Tardes são as horas que escrevo.
Não constam em meu relógio
Todas as horas do dia.
Perdidas estão,
Oras.

Meu pescoço dói.
Meus olhos pesam.
Não é poesia o que faço,
Mas descrição sóbria
Do meu corpo enfraquecido.

Vejo os minutos mudarem de cor,
E penso se poderia estar eu
Em algum lugar chuvoso
Debaixo d’água
Pedindo para que tudo molhasse;
O gelo leva embora
O meu enjoo,
Mas deixa o meu enojo
De tudo que sofri.

Grato pela vida,
Por cada pedaço de bolo
E cada pedaço de dor
Que me foi dado.

Só não consigo escrever;
O limite da dor
Que não me transborda às palavras
Pois lágrimas não mais caem,
Nem gritos mais enlouquecem.

Puxo meu cabelo
Fio a fio
Num ato de desespero
Por sentido.
Não tenho cabelos.

Não tenho mais palavras.
Nem a mim mesmo
Eu tenho.
Passei a ser apenas
E isso é pouco.

Ser é pouco.
Queria estar mais.
Se não hoje,

Amanhã é capaz.