domingo, 20 de fevereiro de 2022

Poesia (30.4)

entre estados

o estado de desejo súbito me toma
num rompante de música
que invade os ouvidos.

canções novas.
queria tá ouvindo esse agora contigo,
aqui na minha cama,
a gente de cueca,
a luz amarela do abajur,
a brisasinha que tá correndo aqui da noite,
um copo de água gelada na mão, suando pelo meu braço;
tua cabeça no meu peito cheiroso,
teu sorriso aqui comigo,
tu me olhando de baixo.

eu sei que você já chega,
eu sei que eu já vou,
a saudade não é menor
porque eu sei que ela vai morrer logo;
o mundo segue grande.

fortaleço em breve, viu?
prepara o cangote pros cheiros todos.
prepara a mão pra levar a minha
pelos cantos.
prepara os braços pros abraços.
prepara o cabelo
que eu vou bagunçar ele bem muito.
e o coração,
esse eu sei que já tá preparado.
fortaleço em breve, viu?

Poesia (30.3)

cuidado, paixão

eu te amo
e não amo mais.

estou aprendendo a não ecoar
tudo que meu coração fala.

carrego umas dores no peito,
carregamos tanto um do outro.

o que fazer quando
a vida atropela a vida?

ficou muito comigo
e restou tão pouco de mim.

a vida atropelou.

cerveja,
chá,
ou café?

bebi beijos.

não escrevo pra você,
escrevo de mim
pra gente.

dançamos na sala,
cuidamos dos nossos pés,
e dos meus joelhos.
brincamos de fazer teatro,
você levava mais jeito que eu.
brindamos pouco, mas bem.
fumei contigo quantos cigarros?
o ventilador espantando
a fumaça.

cuidamos um do outro
quando conseguimos. tanto cuidado.

e a vida atropelou a gente.
sem culpa levantamos.
estamos levantando, eu acho.
e eu ando primaveril por aí,
grato e entregue,
derramado em mim, que sou copo,
mesa e bebida da minha vida.

eu te amo
e esse amor não vai a lugar algum
mas a mim.
espalhado todo
pelo meu corpo tão amado,
minha casinha.

projeto nos meninos
a saudade que eu sinto de você.
acho que eles sentem também.
porque eu sinto.
mas se estar junto
é não estar consigo,
estar junto não faz sentido.

sigo no sentido contrário
olhando por cima do ombro ainda,
mais como quem olha fotos de uma viagem
inesquecível
do que como quem se sente ameaçado
numa rua deserta.

eu não vou cantar nenhum
réquiem;
você ainda vive em mim
enquanto segue vivo consigo.

desejo profundo me invade
desejando seu bem, meu bem.

dance bem muito,
mexa o mundo,
ganhe o mundo,
ame-se e a todo mundo.

eu amo você
enquanto sigo
amando a mim.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Poesia Interlúdio - Recontagem

 o tempo que o tempo passou pra mim

 

tanta poesia passou,

tanto poema ficou,

tanto amor e desamor e malamor e contraamor e bemamor transitou;

nesse interlúdio de vida

mais vida houve.

uma morte aqui, outra acolá.

 

desde então 

um casamento lindo,

um amor-parceiro cruzou meu peito,

fez morada,

morou,

e parti; parti de mim, dele, mas as fotos ficaram.

lembrança de nós, de estarmos nós. 

carinho casado.

 

outros bichos.

gatos e gatinhos. 

uma fuga de mim breve,

para então um retorno glorioso

cheio de vida.

 

a casa é grande.

um apartamento-morada-sobrado

sobro e moro aqui, 

ocupo meu amor por mim.

 

olhei o mundo de longe,

viajei noutros países

conhecendo meu coração

como ninguém.

beijei as terras e os homens daquelas terras.

perdi por lá uns pedaços

da guerra comigo.

mas voltei vencendo,

ao entrar de volta na terra

que é mais água e âncora 

que terra.

 

hiperbólico e alcoólico

prossigo sim,

mais firme que forte.

e sempre com os meus pés.

 

premiado, escritor,

artista da minha arte.

tão minha.

tão eu.

 

na recontagem das minhas poesias

eu aprendo a me ler novamente,

sabendo que nunca escrevi

palavras que não fossem

as que eu aprendi no mundo.

 

reconto a mim meu próprio interlúdio temporal.

querendo sempre estar aqui,

em casa,

ao passo que

viajar o mundo dos outros

nunca pareceu tão ambicioso.