domingo, 24 de maio de 2015

Texto (0.6)

Labirinto de Ar

O ar estava pesado. Tinha um cheiro pesado. Viscoso, de cor esverdeada. Não sabia como entrar em casa. Ou sequer se estava seguindo em direção a uma casa. Meus olhos ardiam. O coração estava descendo vagarosamente em direção aos meus pulsos enquanto o ar estrangulava meu pescoço no qual minha jugular lutava bravamente.

Não quero sair daqui. Não quero deixar tudo isso cair no estojo antigo de lápis quebrados que é o meu passado. Não quero deixar você ir de mim. Guardei por tanto tempo você aqui que não sei o que fazer com o pouco espaço que ocupava na minha gaveta coberto com uma fronha antiga, dormindo todo enrolado, mas com os pés pra fora; ou no meu bolso que carregava você aonde eu fosse.

Quero descansar. Descansar desse pesadelo que é não ter você, ou ninguém. Desse apego que eu não sei chamar de amor. Desse amor que eu sei que é só apego.

Não vão brilhar outras noites, vão?

Eu queria ter tido alguém como eu; eu sinto falta de mim. Tanta falta que nem sei por onde começar a me procurar. Lembro-me de encontrar você na praça e de não aguentar o sorriso enquanto andava em sua direção e um abraço frio era tudo que eu tinha em troca. Não que você não quisesse o meu calor, você apenas não podia me aquecer mais. E era frio. E o frio se espalhou pelos meus ossos e destroçou meus olhos sangrando gelo no meu sorriso. E hoje quando vejo você, tremo de frio.


Não podemos chamar de lar o que construímos. O mais próximo que consigo chegar de alguma edificação do que tivemos ou mesmo temos é um labirinto. As paredes aqui mudam de lugar, os quadros nas paredes são fotos de viagens que na memória ficaram bonitas, mas qualquer transeunte vê os borrões nos meus olhos. Desse labirinto preciso sair correndo, e olhe que desaprendi a correr; seja em sua direção ou na direção oposta. Nesse labirinto eu flutuo. O que me carrega é esse ar denso, repleto de umidade das lágrimas que derramo ainda ao som de algumas músicas. Flutuamos, creio eu, nesse labirinto, ao som de nós dois chorando. Que vença não o melhor, mas o mais corajoso. 

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