segunda-feira, 21 de março de 2011

Poesia (5.9)

Palha Fina

É aqui que se encontra
A felicidade.
Bem nascida.
Mulher adulta já.
Experiente.
Quase que uma anciã.

E do meu outro lado
A decepção.
Carrancuda.
Curvada, cheia de cicatrizes de batalha.
Quase uma mendiga.
Jogada ao meio fio
Pedindo aquilo que não podem lhe dar.

E agarrado às duas
Eu me deito em meu colchão de palha fina
E descanso minha cabeça
Em meu travesseiro de barro.
E agarrado às duas
Eu sonho com um mundo melhor
Onde hei de viver um dia,
Onde hei de achar uma conciliação.
Onde hei de atingir uma paz inatingível.

Acordo, porém, com minha coluna torta
Quase se partindo.
Querendo descanso.
Querendo não ter acordado.
Querendo manter meu sonho
De calma e paz
Pra toda a eternidade.
E assim me levanto
Com o peso da vida nas costas;
E me arrasto aos meus afazeres
Tentando não cair mais.

domingo, 20 de março de 2011

Poesia (5.8)

O Leito da Esperança

Mancando.
Com os pés sangrando.
Apoiado em você.
Que também manca,
Também sangra.
Mesmo sangrando mais que você
Eu sigo.
Eu quero seguir.

O que quebrou lá atrás
Cortou nossos pés.
Dilacerou o que nos sobrara de apoio.
Não mais temos muletas.
Andamos agora apoiados
Um ao outro.
E minhas lágrimas caem aos montes
Tentando lavar o sangue que fora derramado
Por esse logo caminho percorrido.

Meu ombro suporta o teu peso
E o peso que tens em meus ombros
Nunca foi pequeno.
Estamos cansados...
Precisamos de água.
Andamos muito.
Paramos.

E parar talvez tenha sido o pior dos erros.
Foi como ter um pedaço de doce
Tão ínfimo e tão distante
Que nos fez querer mais.
E a dor desse doce foi tão amarga...

E agora estamos aqui
Sangrados e sujos,
Cortados e moídos
Querendo cicatrizar.
E eu tenho aqui no meu peito aberto
O leito da esperança
De que possamos,
De novo, andar.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Poesia (5.7)

Espinhos

Eu me arrependo.

Me arrependo de ter dito cada "pra sempre".
De ter olhado no fundo dos teus olhos
E dito que te amava de verdade.

Me arrependo de cada abraço,
De cada beijo,
De cada momento de intimidade.
Me arrependo de cada lágrima,
De cada gota de sangue
Que meus olhos derramaram.

Eu me arrependo
Por cada preocupação,
Cada dor de cabeça,
Cada tremor de raiva.

Me arrependo de ter entregue minha vida
E, por consequência, meu amor.

Eu me arrependo
De ter sido feliz.
Me arrependo mesmo.
Queria nunca ter conhecido tal felicidade.
Queria nunca ter provado de tal sentimento.
Preferiria morrer sem conhecer o perfume da rosa
A ter que me arriscar tocando seus espinhos.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Poesia (5.6)

Eu Vi

Um sorriso coagulado no rosto,
Sangrado, ainda quase que vivo.
Cessou há pouco.
Uma lágrima trancada
Amarrada na garganta.
Um peito destroçado
Jorrando aos leões.

Um par de olhos cor de farol que
Procuram a dor ao longe.
Caçam você na multidão.
E acham.
E não queriam achar.
E não queriam ver.
E eu quis cegar tanto, tanto, tanto!
Eu quis bater.
Eu quis chorar.
Eu quis morrer.
Mas eu sorri.
Eu esperei você terminar o que estava fazendo.
Eu esperei você mentir.
Eu esperei morrer ali.
Eu sei que morri ali
E não sei como ainda estou de pé.

Poesia (5.5)

Velado

Por que eu pergunto o que não quero ouvir?
Por que eu busco o que não quero ver?
Por que eu sinto o que me faz sofrer?

Por que tentar remediar um câncer?
Pra acalmar a quem?
A dor de um doente é de quem cuida dele.
A dor de um velório é da família.
O morto não faz questão de ser sepultado.

Mas pra quem tanto sofrimento?
Pra quem tanto amor?
Pra quem tanta dor?

Sem apetite
Pra nada.
Sem força
Pra levantar.
Sem medo
De piorar.

Espero só, que algum dia, a morte de alguém
Ou algo do tipo
Me faça sentir algo pior do que eu já senti
Porque até agora
Nada foi tão ruim;
E só me parece piorar...

Poesia (5.4)

Ladrão

Você me tirou a vontade de viver.
Você me tirou a vontade de sonhar.
Você me tirou a vontade de amar.
E assim eu sigo caminhando sem rumo
No escuro que cega e tortura.

Você me deixou só.
Machucado.
Pedindo cuidado.
Você me deixou caído.
Chorando.
Querendo abrigo.

Você me tirou o futuro
E assim o meu presente
Que eu torço para se tornar logo
Um passado.

Você me tirou a vontade de viver...
E isso foi tudo.

domingo, 6 de março de 2011

Poesia (5.3)

Camelo

Rasgado.
Deixado de lado com o peito sangrando.
Calado.
Mudo.
Sem esperança de que um dia
Eu volte a ver cores.
Quase cego.
Querendo não ter vivido.
Preferindo nunca ter sido feliz
A ter que lidar com a dor de agora não ter mais nada.

Lembrar do que já foi
E saber que não mais será.
E saber ainda por cima
Que não haverá futuro,
Que não haverá ninguém,
Que meus dias serão sozinhos.

Partido em dois
Eu desejo que você se parta em mil.
E a dor de lembrar que nenhuma parte minha
Era minha.
Eu era seu.

Você não tem mais o que dizer
Porque nada do que você fez tem perdão.
Nada do que você me fez
Pode ser abrandado.
Quem morreu ontem fui eu.
Quem viu a face do inferno fui eu.
Quem está aqui escrevendo e chorando sou eu.

Andava eu como um camelo
Sedento de vida.
Caminhava sem pensar
Na minha reserva de água
Que também era sua.
E tudo secou sem que eu percebesse.
E ver você bebendo de outra água
Me fez morrer.
Eu quis cegar.
E ceguei.
Não mais vejo o nosso oásis.
Sou apenas carcaça jogada na areia vermelha.
E assim tento me levantar frágil.
Não mais tento ver você nesse deserto
Não mais tenho meus olhos furtivos
Querendo achar você na multidão.
Eu já vi demais.
Eu já senti demais.
Eu já tentei demais.
Eu já fiz o que pude.
O monstro foi esse camelo
Que me matou de sede aos poucos...