segunda-feira, 19 de março de 2018

Texto (0.8)


Homem Barco
escafandro
substantivo –majoritariamente- masculino
vestimenta impermeável, hermeticamente fechada, us. ger. por mergulhadores profissionais para trabalhos demorados debaixo d'água.

Ontem à noite eu matei uma borboleta; não sei o que isso significa. Frase estranha, mas acurada. Entro no meu quarto depois do jantar e escuto um barulho típico de inseto que esvoaça ao redor de lâmpadas. Era uma borboleta. Azul e branca. Joguei com ela. Apaguei a luz por alguns segundos, e tornei a acender. Apaguei. Daí acendi de novo. Ao apagar ela se perdia um pouco: bisbilhotava meus livros, checava meu cronograma do semestre que estava exposto na parede; mas logo então voltava à luz quando eu jocosamente a acendia. Apago uma última vez e percebo que a borboleta agora se fixa sobre a parede escura, não mais passeia pelo quarto. Tento expulsá-la, balanço uma camisa na tentativa de que demonstre algum sinal de incomodo com o vento que lhe é soprado; nada. Move-se então direta e certeiramente para a poltrona; como criança que corre ao sofá chegando da escola evitando perder o começo de seu desenho tão quisto. E fica lá, inerte, soberana, no aguardo de mais notícias dos investimentos recentes que fez no tesouro. Sem muita paciência, e ainda com a mesma camisa eólica, tasco um movimento brusco e a vejo cair. Olho o corpo levíssimo rodopiar da altura já pouca da poltrona para o chão. Nenhum movimento mais é visível. Acendo a luz. Nada. O silêncio biológico se instaura. Prontamente toco a asa sobressalente. Nada de novo. Com um movimento de pinça pego o corpo do inseto e sacudo pela janela. Como se viva, voava um pouco, mas caía mais rápido que o vento poderia esforçar-se para segurá-la no ar. Seguiu até onde pude ver: espiralada e molhada de vento. Apago a luz. E penso se sentiria o desconforto que se seguiu se fosse uma barata, ou até mesmo uma vespa, sequer se fosse uma borboleta mais feia; se o movimento sinuoso que meu peito fazia para dentro estaria pontiagudo também. Olho a luz novamente. Acendo. Apago. Acendo mais uma vez. Desisto então de reaver a borboleta ao quarto. Dançou e seguiu. Ontem à noite eu matei uma borboleta; e não quero saber o que isso significa.  

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