terça-feira, 21 de outubro de 2014

Poesia (20.6)

Amigos Surdos

Nunca pensei
Que fosse calar,
Que fosse chegar o dia
Em que de minha boca
Sairia apenas
O sorriso contrário.

O dia em que eu cansaria
De ouvir minha voz,
Dantes tão doce,
Outrora tão desejada,
Hoje tão ríspida.

Minhas mãos trêmulas
Encontram copos de café
Perdidos pelo quarto
Com uma água suja encardida
Que um dia me deixara acordado.

Hoje sento inquieto
Naquele pesadelo
Que temos como transporte público
E continuo minha jornada.

Revoltado com uns,
Brigado com outros,
Amado por muitos,
Quero calar-me apenas;
Apenas.

Ficar quieto num canto
Onde possa ouvir minha respiração ofegante,
Onde eu possa ouvir minhas mãos batendo na parede,
Onde eu possa ver cores que não via antes,
Onde eu possa chorar tão alto mais tão alto
Que ninguém saberia de onde está vindo meu choro
E achariam que é uma briga na rua
Ou fogos de artifício em um bairro distante;
Um lugar onde eu possa sozinho
Ter todas as companhias do mundo,
Ser abraçado por mães que já tive,
Receber carinhos de avós que não conheci.

Nunca pensei que um dia
Eu fosse desejar coisas tão imaturas,
Pequenas coisas que eu hoje
Queria como água,
Como quem bebe as gotas
Que saem do chão amarelado,
Com o desespero dos que passam fome,
Fazendo alusões infantis a coisas que nunca senti
Ou pelas quais nunca passei.

Hoje;
Só hoje.

Eu queria poder calar.

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