segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Poesia (1.3)

Amelie


Como sofres, menina,
Como tendes a chorar...
Quero eu poder enxugar-te
As lágrimas, mas as lágrimas
Correm por dentro...
Tua tristeza nunca vem à palma,
Antes brotasse no rosto...
Tua tristeza é a pior delas;
É a da alma.

E também não me atrevo
A adentrar esse mundo teu,
Esse mundo que é teu e de todas
Evas;
São todas Evas vindas
Do mesmo Adão, e carregam
Consigo essa sina
Essa maldição.

Carregas mais ainda do que a sina
Das Evas,
Carregas a sina de um nome;
Sofrimento, agonia...
Ah! Amelie, como queria eu
Poder afagar-te os cabelos.

Se és Eva, cumpras teu papel
Nessa Terra que fizeste maldita
E vá ser feliz
Em outro lugar.

Pois todos nós sabemos
Que aquele fruto que levaste à boca
Era apenas Deus se divertindo.
Ah! Minha pequena... Não carregues
Em ti a culpa do mundo!
Se Deus a condenou a isso
Dês a volta por cima!
E mostre que ser Eva, é, antes de tudo,
Ser humana!
Ser gente!

Mas, apesar de tudo,
Tens em ti o dom da vida;
Então, dá vida!
E os Adões jamais saberão
O que é o amor de Eva;
E os Adões jamais saberão o que é
A dor de uma Eva,
Já que, afinal,
Dor é um substantivo feminino.

E o que não falta em ti,
É a dor!
Esse sangue que perdes
Todo mês
São lágrimas de Deus
Arrependido do que fez
E como Ele não sabe se desculpar
Por ter-te feito sofrer assim
Castigou-te mais uma vez por fim.
Castigou-te por ser Ele
Um Deus imperfeito,
Castigou-te por ele ser
Cheio de defeitos.

Mas não sofras Amelie,
Se fostes incumbida da felicidade alheia,
Então procures largar esse ofício!
Não há nada que doa mais
Do que ser palhaço de um circo
Que não existe.

Então, minha bela menina,
Sê aquilo que és para os outros
Para ti mesma.
Faze tua felicidade antes
Que façam-na de um jeito torto.
Sê dona do teu mundo!
Pois esse mundo já tem um Dono.

E perdoe aqueles que vos tem ofendido,
Mesmo que não tenhas ofendido
A ninguém.
Dá um pouco desse teu amor ao mundo;
E não chores, não chores...
Pois se dor é um substantivo feminino
Também Amor deveria o ser.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Discurso de Flávia na Formatura

Este ano de 2009 foi particularmente difícil para nós, do ensino médio: ventos sopraram em várias direções. Mas, do mesmo jeito que não há ventos favoráveis para quem não sabe aonde vai, para quem sabe, não há ventos desfavoráveis. E, apesar de tudo, estamos aqui todos confraternizando, ao lado desses meninos que cumpriram mais uma estação da vida.

Sou professora de literatura e fico pensando sobre o porquê de ter sido escolhida, entre tantos grandes professores que eles tiveram oportunidade de ter ao longo deste ano. Nossa sociedade tecnificada e que tanto releva a ciência não explica a escolha; nem a simplificção geral, que está na tendência da autoajuda e das receitas que desconsideram nossas complexidades.

Acho que estou aqui exatamente pelo efeito contrário; pela falta que faz ouvir conteúdos neste tempo de muitas palavras constantes, mas vazias. Ou, por ter, em algum momento, através da literatura, alcançado o coração desses meninos, ajudando-os a compreenderem os percursos de suas vidas.

Erico Verissimo, em seu livro “Solo de clarineta”, diz exatamente isto: que, aos catorze anos, teve de segurar uma lâmpada elétrica para que um médico operasse um paciente. Quando ele cresceu e começou a escrever, o que o animou foi a idéia de que continuava a cumprir o papel importante daquele momento – ele evitava a escuridão.

É claro que se pode pensar que nossos fabulosos meios de comunicação circulam, rapidamente, informações úteis, numerosas e pertinentes. Mas o que se vê é de uma superficialidade irresponsável. A uniformização dos padrões de beleza, de desejo, de consumo e de felicidade ameaça a elaboração de nossas subjetividades e nos arrasta a um materialismo inaceitável. Fomos reduzidos a um corpo tabelado, funcional; fomos submetidos a uma competição de desempenhos sexuais e profissionais; somos dirigidos a comprar o que não precisamos e a conceituar isso como felicidade. Tal lógica cria esta nossa sociedade sem partilha, sem escuta, sem escolhas, sem afetos, sem encontros, sem sujeitos... Tal lógica é uma espécie de perda, de tal monta que enchemos os consultórios de médicos e psicólogos, em busca de quem nos ouça ou nos indique saídas. Estamos seguindo um caminho perigoso quando descartamos o que nos humaniza; o resultado está aí: esta cidade, como tantas outras, só tem muros e armas; mesmo as pontes confirmam os desencontros; há meridianos visíveis e invisíveis, cortando-a e nos afastando, e violências sem paralelo.

Não podemos nos conformar com isso, nem com a falta de utopias que nos movam na direção de um mundo melhor. Mas o que aprendi recentemente é que esse mundo melhor é, necessariamente, consequente de um homem melhor.

Minha geração buscou esse mundo melhor na rota da matéria e da uniformização (que chamávamos de “igualdade”) e foi conivente com o que chamo lógica bipolar, que considera errado um jeito de pensar diferente.

A literatura me deu o privilégio de constatar o engano: nenhuma melhora virá pelo materialismo, nem “igualdade” se consegue pela uniformização. Além disso, não temos o direito de esmagar quem pensa diferente de nós.

O desafio é saber lutar por igualdade (quando a ameaça for a injustiça) e por diferença (quando o perigo for a uniformização) e desenvolver a tolerância para vivermos num mundo multipolar.

Sem a literatura, isso não é possível. Ela é uma ferramenta irrenunciável com a qual lidamos com a ambígua condição de singular e plural que cada um de nós constitui. Somos nós mesmos, a par de humanos. E não entenderemos isso se seguirmos esmagando nossas singularidades. Ou se não conseguirmos enxergar o que há de comum entre nós.

Em outras palavras: não viemos por acaso juntos; estamos aqui não para competir, mas para cuidarmos uns dos outros e somos iguais, apesar de nossas diferenças. Por isso precisamos nos indignar se nossas vantajosas diferenças terminarem por gerar pobreza extrema, fome ou guerras. Ou se não conseguirmos repartir as riquezas e os benefícios que nosso progresso certamente produzirá.

Cada um de vocês é, potencialmente, um vetor para um mundo melhor. Tenho muita esperança de que vocês segurem a lâmpada na escuridão, apesar do horror e da náusea, como disse Erico Verissimo, apesar do medo e da dúvida, eu completo.

A escuridão é propícia à injustiça, à tirania, à indiferença, ao materialismo, à uniformização.

Muitas luzes juntas trarão uma energia nova para consertarmos, refazermos, retomarmos, sem nos cansar. Essa teimosia inexplicável, que responde pela sequência milagrosa de gerações aqui presente, depende de quantos de nós seguraremos lâmpadas, ou velas, ou fósforos, não importa.

Essa luz precisa ser nítida o bastante para que enxerguemos a direção; para que possamos trabalhar e recuperar o que se perdeu; para que prossigamos insistindo em executar a mágica complementar que nos destaca e que faz tudo valer a pena.

Conto com cada um de vocês!

Flávia Suassuna

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Poesia (1.2)

Poesia não composta por mim...
Linda demais...
Obrigado.


Letras

Que curso seguir?
Letras, comum com você.
Amante das palavras,
Mudou meu caminho.
Antes de usá-las,
Escolheu com carinho.
E com carinho o escolhi.
E você me escreveu

Letras,
que juntas formam poesia,
Que eu não percebera.
Eu, amante da melodia,
Poema recebera.

Agora, eu te pergunto:
Um poema feito pra mim?
Com receio de errar enviei
a mensagem, com timidez.
E tais ondas agora eu sei
São passagem mais uma vez
Para um lugar lindo.
Poema lido, retribuí

Notas,
Que juntas formam melodia
Que você não recebera.
Você, amante do meu dia
E da noite inteira.

Naquela noite, eu te toquei
A pele macia.
E noutro dia, eu te toquei
Minha melodia.

Mas não cantei,
Não posso cantar.
Tanto te incomoda
Como a mim.
Canto canção muda,
Calo-me

Quando vejo os outros
E não somos dois.
Quando dois estranhos
Conhecem-se aos poucos,
Aos muitos, depois
O que vem?

Surpreendentemente,
Amor.
Aonde vai?
Independente do caminho,
Se você for,
Eu vou.


quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Poesia (1.1)

Notas


De compasso em compasso
Fora formada uma melodia.
De melodia em melodia
Fora formada uma música.
E uma música feita para mim?
Não mereço tanto de ti...

Como dois estranhos,
Em busca de nada ou de coisa alguma,
Nos deparamos...
E conversamos,
E trocamos experiências,
E nos beijamos...
Ah! Como é doce esse beijar...
É como ouvir a uma música,
A mais alegre e encantadora
Das melodias.

E parece ter sido feito por magia,
Acaso ou destino, pouco importa,
Só quero estar contigo.

Mas há uma barreira,
Há notas musicais em desalinho
A nossa volta que faz com que
Tua música se torne tímida.

Não deixes que o peso do som
Alheio impeça a tua música
De soar.
A minha se faz mais alta,
Então tomes coragem,
Pegues uma flauta!

E cantemos e toquemos
Para que todos ouçam...

Porque saudade é um sentimento
Que não aturo.
E ficar sem te ver, tocar, e beijar...
Me dói de um jeito novo.

Cante para mim,
Sobreponha tua voz
Ao tom que vem desse mundo
Onde só se ama na diferença.
Cante para mim,
E sejamos felizes em nossa
Pura inocência

Pois amor é um verbo
Que deve ser conjugado por dois
Todos os dias.