Homem Barco
escafandro
substantivo –majoritariamente-
masculino
vestimenta impermeável,
hermeticamente fechada, us. ger. por mergulhadores profissionais para trabalhos
demorados debaixo d'água.
Ontem à noite eu matei uma borboleta; não sei o que isso significa. Frase
estranha, mas acurada. Entro no meu quarto depois do jantar e escuto um barulho
típico de inseto que esvoaça ao redor de lâmpadas. Era uma borboleta. Azul e
branca. Joguei com ela. Apaguei a luz por alguns segundos, e tornei a acender. Apaguei.
Daí acendi de novo. Ao apagar ela se perdia um pouco: bisbilhotava meus livros,
checava meu cronograma do semestre que estava exposto na parede; mas logo então
voltava à luz quando eu jocosamente a acendia. Apago uma última vez e percebo
que a borboleta agora se fixa sobre a parede escura, não mais passeia pelo
quarto. Tento expulsá-la, balanço uma camisa na tentativa de que demonstre
algum sinal de incomodo com o vento que lhe é soprado; nada. Move-se então
direta e certeiramente para a poltrona; como criança que corre ao sofá chegando
da escola evitando perder o começo de seu desenho tão quisto. E fica lá,
inerte, soberana, no aguardo de mais notícias dos investimentos recentes que fez
no tesouro. Sem muita paciência, e ainda com a mesma camisa eólica, tasco um
movimento brusco e a vejo cair. Olho o corpo levíssimo rodopiar da altura já
pouca da poltrona para o chão. Nenhum movimento mais é visível. Acendo a luz. Nada.
O silêncio biológico se instaura. Prontamente toco a asa sobressalente. Nada de
novo. Com um movimento de pinça pego o corpo do inseto e sacudo pela janela. Como
se viva, voava um pouco, mas caía mais rápido que o vento poderia esforçar-se
para segurá-la no ar. Seguiu até onde pude ver: espiralada e molhada de vento. Apago
a luz. E penso se sentiria o desconforto que se seguiu se fosse uma barata, ou
até mesmo uma vespa, sequer se fosse uma borboleta mais feia; se o movimento
sinuoso que meu peito fazia para dentro estaria pontiagudo também. Olho a luz
novamente. Acendo. Apago. Acendo mais uma vez. Desisto então de reaver a
borboleta ao quarto. Dançou e seguiu. Ontem à noite eu matei uma borboleta; e não
quero saber o que isso significa.